segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Dresscode

A passagem de ano tinha sido de caixão à cova. Demasiado champanhe, precisamente aquela bebida que dá a pior das ressacas; demasiado barulho, tabaco e produtos nocivos à saúde mas que insistimos em utilizar para acelerar a vertigem de descontração que a esperança de novos dias nos trás.
É claro que a festa não podia acabar sem ser na cama de alguém que provavelmente ter-se-á enganado no gajo e copo atrás de copo me confundiu com um qualquer Mark Vanderloo e, segundo me recordo, deu um verdadeiro recital de como foder em condições. Isto, é claro, antes de acordar e reparar que, afinal, o tipo que estava ali era banal mas dava para os gastos.
Mesmo num estado de euforia fora do habitual e com a visão turva, nunca achei que aquela mulher seria perfeita ou potencial fruto de um relacionamento de mais do que um ou dois dias, no entanto, fiquei impressionado comigo mesmo, pois o meu pior tinha-me oferecido algo próximo do topo de gama.
O acordar foi lento, numa cama desconhecida que, mais tarde, viria a perceber que era a cama dela e a julgar pelos lençóis e tudo à volta, haveria motivos para ficar, desde logo, a vista para um mar que não percebi se era a norte ou a sul. Basicamente, não fazia a mínima ideia de onde tinha ido parar, mas sabia que se não tomasse um ou dois cafés de imediato correria o risco de prolongar a amnésia e ser incapaz de organizar os próximos passos.
A uma distância segura, vejo-a pentear os cabelos longos e loiros, ainda com as curvas prolongadas e suaves, condizentes com uma pele cuidada e clara, bem visíveis e sem nada que as cobrisse. Sim, o peito encheu-se de orgulho. Pergunto-lhe se podemos ir a um cafezinho perto beber um café e regressar depois para tomar banho, recolher os despojos e partir depois para o novo ano. Ela concorda, pede uns minutos para se vestir, os mesmos que me são concedidos para abrir um pouco mais os olhos, tentar obter uma localização e procurar o que vestir e onde vestir.
Pouco tempo depois, lavo a cara, fumo um cigarro e procuro no chão roupa que me deixe sair de casa. Uma t-shirt, um sobretudo, umas calças amarrotadas e os sapatos possíveis. Estava pronto para o café. Do outro lado não se ouvia muito mas já reconhecia o barulho de saltos. Até que volto a vê-la, rodando no dedo indicador o porta-chaves onde se via o símbolo da Mercedes. "Vamos?", perguntou sorridente como se a festa não lhe tivesse oferecido rugas. Eu não tenho um Mercedes, imaginei que fosse o dela, e isso fez-me questionar onde é que eu teria deixado a merda do meu carro, como é que eu teria chegado a esta praia ainda por identificar?!
"Vais a uma festa?", retorqui ao ver o espectáculo. À minha frente estava ela, de vestido curto, com meias de vidro, um casaco de pele, saltos altos e o rosto finalizado com pintura completa. Atraente confesso mas, claramente, too much para quem vai ao café da esquina beber um café que apague uma ressaca. Olho para ela e olho para mim e vejo um Oceano de diferenças e concluo: borrou a pintura.
Quem é que se produz daquela forma para sair, entrar no carro, andar uns metros e passar cinco minutos num café manhoso onde será de esperar que somente a terceira idade que já passou os anos que tinha que passar marcará presença? Idealmente, bastaria um discreto fato de treino, um camisolão e umas calças, nada mais.
O outro dizia que "não se ama quem não ouve a mesma canção", mas eu garanto que não se ama quem não se aproxima do nosso dresscode em cada momento. Não se trata sequer de estilos, mas da sintonia necessária para ambos perceberem o que vestir a cada altura.

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